Espíritos Presos
Algumas religiões acreditam que, quando a pessoa morre de
forma abrupta, fica, por um tempo, presa ao local de sua morte, até conseguir
libertar-se ir seja lá para onde for. Como, por exemplo, em um acidente de
carro, onde a morte é rápida, o espírito da pessoa pode ficar por anos junto ao
carro, sem saber o que aconteceu.
Li muito sobre isso, pois o que aconteceu comigo, quando
tinha apenas 9 anos, me obrigou a buscar alguma explicação plausível, que não
duvidasse de minha sanidade mental (fui em muitos psiquiatras, não tenho
problema mental nenhum).
Minha família era pequena, apenas minha mãe, dona-de-casa,
meu pai, vendedor ambulante, minha irmã e eu. Nós duas dividíamos a mesma cama
de solteiro, mas chegou um ponto que não foi mais possível, eu já tinha 9 anos
e ela, 12. Então minha mãe decidiu procurar uma beliche para nosso quarto. Por
sermos muito pobres, a única alternativa era procurarmos em lojas de móveis
usados. Encontramos uma beliche que minha mãe conseguiria pagar. Era de
madeira, aparentemente muito antiga, e com alguns arranhões.
Um amigo do meu pai foi buscar a cama e logo ela estava em
nosso quarto. Vendemos nossa cama antiga e assim pudemos comprar mais um
colchão. Eu estava muito feliz, pois nunca ganhava presentes como as outras
crianças, e uma cama nova era algo incrível para mim.
Meu pai conseguiu alguns restos de tinta de uma obra perto
da nossa casa, e resolvemos pintar a cama para que ficasse mais bonita. Eu,
empolgadíssima, insisti para ajudá-lo. Ele deixou que eu pintasse a parte de
baixo e ele, a de cima. Deitei na cama de baixo e, entre uma pincelada e outra,
percebi que os arranhões que eu tinha visto no dia da compra da cama, na
verdade, eram palavras.
Fiquei um pouco assustada com o que dizia ali. Meus pais
disseram para eu não sentir medo, pois era coisa dos antigos donos da cama, mas
não consegui evitar. Antes de pintar, anotei cada palavra que dizia ali, numa
agenda que guardo até hoje. Leia:
"Dormir para morrer." "A maldição está
aqui." "Fuja" "Não durma." "Nunca durma."
"Ele está aqui." "Ele nunca sairá daqui." "Ele está em
você?" "Eu dormi e ele está em mim."
Depois disso, não consegui dormir na cama de baixo da
beliche. Implorei para minha irmã que deixasse eu dormir na cama de cima e ela
concordou. Me arrependo de ter feito esse pedido à ela até hoje. Naquela noite,
antes de dormir, ouvi o último "boa noite" de minha irmã. Eu não
fazia ideia do que estava prestes a acontecer, mas mudou minha vida para
sempre.
No outro dia, minha irmã acordou perturbada. Ela gritava e
dizia que sua garganta e estômago estavam queimando. Minha mãe deu alguns
medicamentos à ela, mas não adiantou. Ela urrava de dor e se debatia. A única
alternativa foi levá-la correndo para o hospital. Seus últimos 5 dias de vida,
foram os 5 dias de internação.
Nenhum medicamento fez efeito. Nenhum tratamento conseguiu
curá-la. Seus gritos eram escutados de fora do hospital, mas nenhum calmante
fazia com que ela dormisse. Ela arrancou os próprios cabelos com as mãos,
fazendo seu couro cabeludo sangrar e rasgou a pele dos braços e pernas com as
próprias unhas. Ela foi amarrada na cama. No seu último dia de vida, minha mãe
implorou que o médico lhe deixasse levá-la para casa. Ela não aguentava mais
ver minha irmã naquele estado e, se ela não se curasse, pelo menos estaria em
casa, conosco. O médico, após avisar minha mãe de que minha irmã estava em
estado crítico e não viveria muito tempo, liberou-a, e uma ambulância nos levou
para casa, com ela. A última visão que tive da minha irmã foi dela deitada na
parte de baixo da nossa beliche, com apenas algumas mechas de cabelo, com os
braços e pernas em carne viva, olhando fixamente para mim. Por algum motivo, a
parte branca de seus olhos estava vermelha, cheia de sangue e seu rosto estava
roxo devido às pancadas que levou enquanto se debatia. Ela faleceu, deitada
naquela cama, duas horas após chegarmos em casa.
Eu só dormi uma noite naquela cama, pois com todo o
acontecido, minha mãe permitiu que eu dormisse junto com ela nas outras noites.
Após a morte de minha irmã, ela decidiu vender a cama, pois precisávamos de
dinheiro. No dia em que a cama seria levada para uma loja de móveis usados,
deitei novamente na parte de baixo da beliche. Qual não foi minha surpresa, ao
ver que, por cima da pintura, haviam palavras:
"Ele sempre estará aqui." "Não durma
aqui." "Prisão."
E, com a letra da minha irmã: "Eu também estou
aqui."
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