Acidente na rodovia
Isso é meio
difícil de contar, mas as coisas parecem que estão ficando feias. No sábado,
fui numa festa na cidade de Itapira. Fui com Rodrigo no carro dele. Era pra
gente não se esbaldar, não beber demais, afinal, nunca se sabe onde vai ter uma
barreira policial com bafômetro. Mas a gente perdeu a noção. A festa estava
muito boa. Passamos do limite na bebida. Quando a festa terminou, Rodrigo disse
que estava bom para dirigir. Eu também achei que ele estava bom para dirigir.
Era quase cinco horas da manhã de domingo quando a gente pegou a estrada de
volta para Jacutinga. Coloquei um som alto para não deixar o Rodrigo dormir.
Ele dirigia devagar, tranqüilo. Ele nunca foi de fazer graça com o carro. A
viagem não duraria mais que vinte minutos. Deveria ser uma coisa simples,
deveria... Eu estava cochilando quando aconteceu. Acordei com o barulho.
Rodrigo parou o carro no acostamento. Olhei pra ele – o cara estava branco,
pálido.
— O que
aconteceu? Furou o pneu? – perguntei, preocupado. Rodrigo balançou a cabeça em
negativa.
— Eu acho
que atropelei uma pessoa.
Saí do carro
na mesma hora. Realmente, ele tinha atropelado uma moça. Ela estava toda
estrebuchada no chão, sem vida. Nunca tinha visto uma pessoa morta daquele
jeito. Já vi pessoas mortas na internet, mas nada se compara quando você vê a
coisa de perto, quando vê os olhos estralados, sem piscar, sem mexer.
— Que jeito
isso aconteceu? – perguntei para Rodrigo quando ele se aproximou.
— Não foi
minha culpa. Ela se jogou na frente do carro. Eu juro que não foi minha culpa.
— Que merda,
Rodrigo! A coisa ferrou! Temos que ligar para a policia.
Rodrigo
olhou para os dois lados da pista. A rodovia estava deserta. Depois ele foi
olhar a frente do carro.
— Vem aqui.
Fui até a
frente do carro.
— Nenhum
arranhão – disse Rodrigo – não tem nenhum amasso.
Achei
estranho, pelo estado que a moça ficou, era para pelo menos ter quebrado o
pára-brisa.
Tirei o
celular do bolso para ligar para o 190. Rodrigo veio pra cima de mim e me tirou
o aparelho.
— Não
percebe que podemos nos safar dessa. Quem vai saber que atropelamos essa moça?
Ela já está morta. O próximo carro que passar que chame socorro.
— Isso é
errado.
— Quer que a
cidade inteira fique sabendo o que a gente fez? Quer que sua família tenha
vergonha do que a gente fez?
— Você fez.
— Já disse
que não foi minha culpa, essa vadia se jogou na frente.
Pensei bem.
A situação era propicia para seguirmos o caminho como se nada tivesse
acontecido. No mais, de nada adiantaria chamar a policia aquela hora. A moça já
estava morta.
Concordei
com Rodrigo e entrei no carro. Nenhum de nós dois disse uma palavra até chegar
em Jacutinga. Ao me deixar em casa, Rodrigo foi bem claro: — Não conte nada
para ninguém!
Por que eu
iria contar? Não era eu que tinha atropelado a moça. Minhas mãos não estavam
sujas de sangue.
Tentei
dormir tranqüilo. Não consegui. A imagem do rosto da moça não saía da minha
mente. O rosto inchado, com manchas de sangue, os olhos abertos, opacos...
O domingo
não foi um bom dia. Não saí de casa pra nada, aliás, fiquei a maior parte do
tempo no quarto. Entrei na internet e procurei por noticias do atropelamento.
Nada.
A
segunda-feira veio. O dia demorava a passar. O trabalho não ajudou a distrair a
minha cabeça, pelo contrário, a cada vez que escutava o telefone tocando,
achava que era a policia. Fiquei atento para ouvir qualquer comentário sobre a
moça que morreu atropelada na rodovia. Ninguém disse nada. Ouvi rádio o dia
inteiro e nada sobre a moça.
Não liguei
para o Rodrigo e nem o procurei. Prometi a mim mesmo que nunca mais o
procuraria.
Na
quarta-feira, ele me ligou de noite. Não atendi as primeiras chamadas, mas com
a insistência, acabei atendendo.
— Como você
ta, cara? – ele perguntou.
— Nada bem –
respondi, sem paciência.
— Você acha
que devíamos ter ligado para a policia? Acha que devíamos ter ficado com ela?
— E o que
isso importa? Já passou, o melhor é esquecer o que aconteceu.
— A gente
não devia ter deixado a moça lá jogada na pista.
— Por que
está tão preocupado? Aconteceu alguma coisa?
— Eu vi ela.
— Viu quem?
— Ela, a
moça que matamos. Eu a vi hoje.
— Rodrigo,
eu não estou com humor para esse tipo de brincadeira.
— Estou
falando sério. Eu a vi.
— Eu vou
desligar.
— Não
desliga, cara. Eu estou com medo.
Pelo tom da
voz de Rodrigo, percebi que ele não estava brincando. A coisa era séria mesmo.
— Onde você
a viu?
— Em todos
os lugares que vou, eu a vejo me observando. Cada vez que a vejo, ela está mais
perto de mim.
— Desencana,
Rodrigo, deve ser ilusão sua.
— Essa
não...
— O que foi?
— Ela está
aqui.
— Onde?
— No meu
quarto. Ela vai me...
A voz de
Rodrigo desapareceu. Só ouvi um baque forte e depois a linha caiu. Liguei
novamente para Rodrigo, mas o celular chamou até cair na caixa postal.
Caramba,
Rodrigo estava mesmo assustado. Não poderia ser brincadeira. E não era. Ele foi
encontrado morto em seu quarto.
O velório
foi ontem. Conversando com os amigos, ninguém soube me dizer o motivo da morte.
Acompanhei o caixão de Rodrigo até a sepultura.
Depois do
sepultamento, eu estava saindo acompanhado de alguns amigos, quando vi ela.
Mesmo estando distante, eu podia ver claramente que era ela: a moça que
atropelamos.
Hoje cedo eu
vi ela parada do outro lado da rua em frente a empresa onde trabalho. A última
vez que a vi foi agora a pouco – ela estava perto do portão de casa.
Não sei
quando ela vai aparecer de novo. Sinto que será em breve...
____________________________________________________________________________________________________________
Fonte: creepypasta Brasil wikia
Nenhum comentário:
Postar um comentário